No maior estudo genético sobre o câncer de mama, 550 cientistas de 300 instituições de pesquisa dos seis continentes encontraram mais 72 mutações que aumentam o risco da doença. Dessas, 65 são variações comuns, que predispõem o desenvolvimento do tumor, e sete referem-se especificamente a um dos tipos mais difíceis de vencer: o câncer receptor de estrógeno negativo, que não responde aos medicamentos hormonais. Com essas descobertas, os autores dos artigos, publicados nas revistas Nature e Nature Genetics, esperam impactar na prevenção e no tratamento de um problema que, a cada ano, atinge mais 1,2 milhão de mulheres.
A ampla pesquisa é resultado do consórcio OncoArray, uma colaboração internacional de cientistas dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Austrália, do Canadá, do Chipre e da Alemanha, que tem como objetivo desvendar os mecanismos genéticos dos cânceres mais prevalentes no mundo, como pulmão, cólon e próstata. Nas publicações de ontem, o foco foram mutações comuns, que aumentam o risco do câncer de mama.
Bastante heterogêneo, esse tipo de tumor é causado pela combinação de fatores ambientais e genéticos. Dentro do componente hereditário, ainda há diferenças: as mutações BRCA1 e BRCA2 são mais raras e conferem um risco muito alto. Enquanto isso, há dezenas de variantes comuns, que, embora numerosas, não elevam tanto as chances da doença. Se a BRCA1 e a BRCA2 já são bem estabelecidas e estudadas, existindo, inclusive, exames para detectá-las nas pacientes, até agora não se conhecem todas as variantes comuns. Com as novas pesquisas, o número de mutações identificadas passa de 105 para 177.
Para localizar as variantes, os pesquisadores do consórcio OncoArray analisaram dados genéticos de 275 mil mulheres, sendo que 146 mil delas haviam sido diagnosticadas com câncer de mama. A equipe coordenada por Douglas Easton, pesquisador da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, utilizou uma nova tecnologia de array genômico para comparar o DNA das participantes com e sem a doença. O teste apontou 65 novas regiões associadas à enfermidade, que, juntas, representam 18% do risco familiar de se desenvolver o câncer de mama.
Variantes
De acordo com Douglas Easton, a maior parte das mutações detectadas não estavam dentro dos genes, mas em regiões do DNA que regulam a atividade de proteínas próximas. Quando os pesquisadores investigaram o padrão dessas variantes, descobriram particularidades não observadas em outras doenças. “O estudo confirmou muito do que suspeitávamos. Há alguns padrões claros nas variantes genéticas que podem nos ajudar a entender por que algumas mulheres são predispostas ao câncer de mama, e quais genes e mecanismos estão envolvidos nisso”, diz Easton.
Já a equipe coordenada por Roger Milne, do Conselho de Câncer de Victoria, na Austrália, investigou especificamente as regiões do DNA e as variantes que aumentam o risco do câncer receptor de estrogênio negativo. Milne explica que cerca de 70% de todos os casos de tumor de mama são receptores de estrogênio positivos. Isso significa que as células cancerosas têm um receptor que responde ao hormônio sexual feminino estrogênio.
Nem todas as células tumorais, porém, têm essa proteína: são os receptores de estrogênio negativos. Com isso, as opções de tratamento ficam reduzidas, pois a maioria dos medicamentos hormonais para o tumor de mama trabalha no sentido de elevar os níveis dessa substância ou de impedi-la de fazer crescer o número de células malignas. Nos casos de receptores negativos, esses medicamentos não fazem efeito.
Os cientistas do consórcio OncoArray identificaram 10 novos locais do genoma associados ao risco de câncer de mama receptor de estrogênio negativo, além de encontrar sete novas mutações comuns também relacionadas à propensão ao desenvolvimento do tumor. Uma importante descoberta foi que existe uma forte ligação entre o risco da mutação BRCA1 e do câncer de mama receptor de estrogênio negativo. “Uma melhor compreensão das bases biológicas desse tipo de câncer pode levar a intervenções preventivas mais efetivas e a outros tratamentos, afirmou Milne, em nota. “Essas descobertas podem melhorar a predição de risco tanto para a população em geral quanto no caso das mulheres que têm a variante BRCA1.”
As mutações identificadas nos dois estudos são comuns, diferentemente do BRCA1 e do BRCA2. Enquanto algumas existem em uma em cada 100 mulheres, outras estão presentes em mais da metade de toda a população feminina e, obviamente, nem todas elas desenvolverão o câncer de mama. De forma individual, os riscos conferidos por cada variante são baixos, mas, como elas são frequentes e seus efeitos se multiplicam quando há diversas dessas mutações, o efeito combinado é considerável. Quando a genética é associada a outras questões hormoniais e a fatores de estilo de vida, os riscos são diferentes, mesmo para pessoas com as mesmas mutações.
Varredura de mutações
O array genômico é o processo que examina um pedaço do DNA em uma lâmina para detectar as diferentes variantes na sequência do genoma e, assim, identificar e mapear mutações. Diferentemente do sequenciamento total de DNA, o array genômico tem como foco apenas as variações que um mesmo gene pode ter.
Características heterogêneas
“O câncer de mama é uma doença multifatorial e heterogênea: dois pacientes com a mesma classificação teórica podem ter cânceres muito diferentes”, explica Márcio Almeida Paes, da Aliança Instituto de Oncologia e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) e da American Society of Clinical Oncology (Asco). “A descoberta de novos genes ajuda muito os oncologistas que lidam com isso a ter uma noção melhor do prognóstico. Do ponto de vista do tratamento, esse conhecimento dá um embasamento maior para identificar quem pode ter mais ou menos benefício, pois, cada vez mais, o perfil genético da doença é importante para a definição da base terapêutica”, avalia.
De acordo com Jacques Simard, pesquisador do Consórcio e da Universidade de Laval, em Quebec, os resultados fornecidos pelos estudos vão ajudar a estabelecer padrões de risco e de tratamento. “Usando dados das pesquisas genômicas e combinando essas informações com outros fatores de risco conhecidos, vamos compreender melhor a probabilidade de uma mulher desenvolver a doença, o que implicará mudanças na conduta. Por exemplo, na personalização da idade em que cada uma deve fazer a mamografia. Mulheres com as mutações podem se beneficiar mais de exames de rastreamento intensivos, começar a fazê-los mais jovens ou serem indicadas a técnicas de detecção mais sensíveis. Ao mesmo tempo, essa informação personalizada vai ser útil para adaptar modalidades de exames para mulheres em risco substancialmente menor.”
A oncologista Maria Leticia Pereira, médica do Instituto de Câncer de Brasília (ICB), porém, observa que, do ponto de vista da aplicação clínica, esses resultados não são imediatos, nem beneficiarão uma parcela expressiva de pacientes. “É preciso tomar cuidado, porque teste genético não é uma panaceia, não é para todo mundo. Os estudos são importantes, indicam a tendência de os testes ficarem cada vez melhores, mas eles vão beneficiar, por enquanto, um número restrito de pessoas. Quem tem casos familiares e preocupação com o câncer, deve conversar com seu médico, seu geneticista, que fará as orientações adequadas”, recomenda.
Fonte: Oncoguia, 24/10/2017